Enxergar dói?
- Karen Dias Jones
- 30 de mar. de 2021
- 2 min de leitura

Eu sempre falo como a psicoterapia é semelhante a novos óculos de grau. A sensação é de que já enxergávamos antes dele, mas que não se era possível ver o cenário tal como ele é.
Lembro da minha mãe relatando a experiência de usar óculos de grau pela primeira vez na vida: “Descobri que as estrelas são pontinhos de luz no céu! Achava que o brilho a acompanhava!”
E é assim que a vida se parece antes de conseguirmos vê-la com clareza: Tudo está lá no mesmo local de antes, mas não é possível captar o fenômeno tal como ele se apresenta.
Aprendi, ainda na universidade, que o mundo é resultado final de uma leitura particular, pois usamos os aparelhos que temos para lê-lo: Audição, visão, olfato, tato, paladar e toda a colcha de retalhos de informações culturais que fomos costurando ao longo do caminho.
O mundo de minha mãe era repleto de estrelas distorcidas e manchadas. Esse era o mundo dela, o céu dela.
O interessante neste exemplo é que percebemos que encaramos como verdade absoluta tudo o que captamos do mundo. Nossa experiência individual torna-se crença de que o mundo é exatamente na medida e proporção de que estamos a experienciar.
No processo de psicoterapia, o sujeito revisita os mesmos cenários conhecidos, mas através de uma nova lente. Passa a perceber nuances, formas ficam mais definidas, pessoas mais inteiras, experiências mais pautadas na realidade...
E é assim com a visão: Uns enxergam com enorme proximidade (hipermetropia), outros não conseguem enxergar nada que não esteja muito perto (miopia) e outros veem tudo de forma distorcida (astigmatismo).
Há também aqueles que enxergam a vida através dos óculos escuros, onde tudo é negativo e cinza e outros que a veem através de lentes rosas, ingênuas, doces. Outros descobrem que as lentes são amareladas e faz sempre sol mesmo em dias cinzas.
Ao colocar os óculos com as novas lentes relatam maravilhamento e perplexidade. A primeira sensação que trazem em sessão é a da dor de não se ter visto antes.
"Quantas estrelas perdi?" A segunda é de ordem mais prática: "O que faço, agora que estou vendo as coisas tal como são?"
Nem sempre a primeira cena é de estrelas belas, alguns primeiros olhares não são tão prazerosos. Foram anos na escuridão, há que se colocar muito em ordem.
Enxergar significa também ter que lidar com muito conteúdo do passado, do agora e do futuro e saber que se há muito trabalho pela frente.
Enxergar é apenas um dos primeiros processos em psicoterapia.
As reações são muito diferentes, uns ficam maravilhados, outros entristecidos e outros lamentam enxergar e preferem voltar para escuridão.
Mas o fato é: Enxergar faz com que a nossa vida nunca mais seja a mesma. Nunca mais.
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Photo by soheyl dehghani on Unsplash.
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